Texto por: Madu Moreschi
Quando pensamos em cinema e seus protagonismos, a imagem da criança é provavelmente uma das últimas a nos remeter a memória. O fato é que a frase mais clássica ou marcante das narrativas cinematográficas é “A man meet a woman” ou "Um homem encontra uma mulher". Os filmes de casais e sobre casais foram os primeiros a tomarem partidos dos conflitos Hollywoodianos, principalmente na altura do Star System (tradução para Sistema das Estrelas. Foi uma dinâmica contratual que priorizava alguns atores e atrizes com acordos exclusivos e de longo prazo em Hollywood. Isso acontecia por serem considerados ícones insubstituíveis, como Marylin Monroe, por exemplo) na década de 30 a 50, onde as atrizes eram vistas como verdadeiras referências para as outras mulheres (não que, de fato, fosse positivo) e musas para os diretores.
Mas e a criança? Qual o momento em que pensou-se ser possível um sistema lucrativo como aquele, onde as crianças tivessem protagonismo e a fama dos atores adultos? E qual sua relevância para os filmes de natal?
Antes de tudo, é preciso dizer que o que retardou a realidade de filmes que explorassem mais a vida de personagens infantis e a atuação de atores menores de idade foi uma mudança nos contextos de produção, que perpassou pela perspicaz consciência de público dos produtores, admitindo os efeitos que o cinema tinha sobre a sociedade. Por conseguinte, o cinema contraiu uma ideologia mais conservadora da narrativa ao longo dos anos, desde a invenção da sétima arte, onde a imagem da criança e suas questões não priorizavam-se, pois também não agradavam ao público, majoritariamente adulto.
Isso é um pouco contraditório se pensarmos no primeiro filme já feito na história do cinema (com narrativa) e que, por acaso, continham bebês como foco principal, “La Fée aux Choux” ou “A Fada do Repolho” – 1896 de Alice Guy-Blaché. E, com esse filme já temos uma resposta um tanto quanto revolucionária. Em particular, essa obra pioneira, da cineasta francesa Alice Guy, possui a mesma como uma fada em um jardim, onde nele recolhe bebês que nascem de dentro de repolhos (uma referência ao folclore francês). O nudismo dos bebês não é evidenciado, portanto, é apenas natural, e a figura matriarcal é preponderante. Com efeito, é possível perceber que a liberdade de criação era bastante grande. Sem um sistema de produção formado, com regras ou competições no meio cinematográfico, poderíamos encontrar muito mais narrativas, até mesmo de Alice Guy, com crianças como um personagem marcante da trama, em diversos momentos, principalmente em situações de vulnerabilidade. A figura da criança, na realidade, foi tema de muitos dos seus filmes, como era natural por ela ser a única cineasta mulher e mãe, de seu tempo.
Um filme bastante particular sobre crianças é “The Cruel Mother” ou "A Mãe Cruel", de 1906. Nessa obra em particular, Alice explora e critica a forma brutal com que os pais educavam, ou melhor, corrigiam seus filhos. Buscando sempre levar os gestos dos atores ao máximo do realismo, com momentos bastante convincentes de punição física. Esse filme, para a crítica ácida da educação infantil na época e para a representação dos atores é bastante interessante e altamente relevante. Principalmente para os estudos sociais e cinematográfico posteriores, já que na época sofreu diversas e severas críticas da sociedade francesa, tendo sido proibida a exibição muitas vezes. O que nos elucida o porque das produções infantis terem sido de poucas apostas nos muitos anos que se seguiram.
“Eu não acho que foi a direção das crianças que foi realmente marcante no cinema de Alice, mas o papel que ela dava para as crianças exercerem”.
Fala de Alan Williams, historiador do Cinema e escritor, no filme “Be Natural: the Untold Story of Alice Guy-Blaché”.
Dois anos após o lançamento de "A Fada do Repolho", o curtíssimo filme Santa Claus" - 1898 de G. A Smith explorou pela primeira vez a imagem do natal no cinema. Nesse primeiro filme bastante simples e ainda filmado em um estilo teatralizado, com mudanças de luz e objetos de cena no "palco", a narrativa natalina que podemos observar é centrada na lenda do papai Noel e sua relação com as crianças. Ou seja, a presença da criança é central na narrativa. O jogo de projeção da parte externa da casa das crianças surge com uma estética fantasiosa, a qual contribui para que esse filme não apenas tenha atores infantis como principais, mas também como público alvo.
É, de fato, uma justificativa associativa e psicológica abordar a figura do natal às crianças. Essa que é uma celebração católica, focalizava no nascimento do menino Jesus, uma criança, que recebia presentes dos três reis magos. Essa história bíblica foi fortificada através de lendas e toda uma magia e mistério que se figurou, posteriormente em personagens como o papai Noel. Com efeito, é bastante elucidativo que as produtoras e, principalmente, os roteiristas, tivessem optado por explorar a figura da criança que nos leva a essa mundo encantado. No entanto, após esses filmes pioneiros do século XIX, pouco se desenvolveu sobre obras infantis e natalinas.
Apesar de termos inúmeras referencias de filmes sobre a ótica da psicologia infantil, desde os anos 80, como "Fanny e Alexander" de 1982 do consagrado diretor sueco Ingmar Bergman, o qual possuí um plano de fundo narrativo do conflito central se passando na época de natal, ou "Minha Vida de Cachorro" de 1985, também do mesmo diretor, mas agora sobre uma perspectiva mais pessoal; os filmes infantis só começaram de fato a ganhar notoriedade pelo mundo quando houve um real investimento das produtoras americanas sobre o assunto.
Como isso aconteceu?
Após várias mudanças no panorama cinematográfico e suas necessidades naturais com o avanço das décadas e da realidade social - que se reflete no comportamento das produtoras -, as narrativas clássicas hollywoodianas precisaram, cada vez mais, expandir a sua temática, querendo ou não. Posteriormente à revolução da televisão, a TV e o cinema começaram uma guerra fria em que a disputa com o espectador tornou-se seu principal objetivo. No entanto, essa tomada de consciência entre as duas fontes de entretenimento foi progressiva. Isso por alguns motivos: primeiro porque a televisão era um objeto de luxo no começo de sua existência e segundo porque nem todos os países possuíam as mesmas diretrizes de funcionamento e produção de conteúdo para TV. Mesmo porque em 9 de junho de 1946 lançaram o primeiro programa televisivo para crianças, na Grã-bretanha, "Children's Hour", o qual ganhou maior notoriedade anos mais tarde. Nesse sentido, houve uma gradual expansão do público mais jovem, principalmente crianças, consumidoras de programas de televisão. Ou seja, enquanto o cinema continuava a apostar nos filmes mais clássicos e conservadores no sentido temático, a televisão ganhava novos gêneros, novos públicos e, por suposto, mais renda.
Paralela à visão empreendedora do cinema comercial americano, visando trazer não só maior comercialidade para as épocas de festas, apostaram em um gênero de filmes que pudesse não apenas entreter, mas criar certa fidelidade com o público infantil.
E deu certo com o clássico "Meet Me In St. Louis", de 1944 do diretor Vincenti Minnelli, que nos entregou uma atuação impactante da atriz mirim Margaret O'Brien como Tootie Smith e Judy Garland cantando "Have Yourself a Merry Little Christmas", o qual tornou-se um clássico. Com uma ótima aceitação de 7,6 da crítica e de público, as produções de filmes de natal com a figura da criança como personagem central começou a crescer e a render bons frutos para Hollywood.
Descobriu-se também, que os atores infantis cativavam o público. E apesar da onda do Star System ter sido majoritariamente liderado por musas do cinema, as crianças foram tomando esse espaço. Como foi o caso do ator Macauley Culkin, que estrelou o maior dos clássicos do cinema infantil e de natal, "Home Alone" de 1990 do diretor Chris Columbus. Esse acabou se tornando o filme de maior bilheteria de natal de todos os tempos até ser superado pelo filme "The Grinch" de 2018.
O ator Macauley Culkin ficou tão marcado por seu papel que, na época, assinou um contrato para participar de pelo menos quatro filmes sequência.
Fora das telas, o filme "Home Alone" foi acusado de plágio pelos produtores do filme francês "3615 code Père Noël", de 1989 , que trata de um menino que está sozinho em casa com seu avô idoso e tem que se defender de um invasor doméstico vestido de papai Noel. Pelas semelhanças, o diretor do filme René Manzor, ameaçou os criadores do filme com uma ação legal na justiça.
Hoje, os filmes de natal são quase obrigatórios nessa época do ano, não deixando os clássicos despercebidos nas programações. Com um toque sempre familiar, a criança e o natal sempre andaram juntos e fizeram dessa conjuração um gênero que veio para ficar.
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