Não sei se os leitores da Perpétua estão sabendo do lançamento de meu primeiro romance, mas o algoritmo do Facebook, Instagram, Google, Amazon sabe desde quando digitei a primeira frase desconexa e acanhada. No início foi interessante, visto que conheci alguns truques do mercado editorial, os principais cursos de escrita criativa, os ganhadores do Jabuti que dão aula de escrita. Porém, aos poucos todo esse lance ficou insuportável, pois, se por um lado conheci os profissionais mais sérios do ramo, encontrei os “coaches” da escrita; que não são estritamente coaches, mas fazem promessas de alto nível de charlatanismo.
Preciso deixar isso bem claro para você que está lendo: não tenho problema com os cursos de escrita criativa, mas com certo nível de mau-caratismo que promete algo que não será alcançado.
Acabou de brotar mais um axioma, estudante de filosofia nasce velho. Essa velhice surge como uma suspeita com tudo, e um falso entendimento do mundo. Digo falso porque não podemos comprovar nossa parca, limitada e insuficiente visão de mundo. Alguém pode dizer que nada do que estou digitando tem relação com a escrita criativa, todavia, me arrisco a afirmar que o cu tem haver com as calças, sim! Então, voltarei para o início.
Essa estória de curso de escrita criativa não é nova. No Brasil começou em 1967 com Gilson Rampazzo. Nos States não sei bem como começou, mas tenho conhecimento que grandes escritores como David Foster Wallace e Charles Bukowski chegaram a lecionar turmas desse curso em universidades. Outra coisa me chama atenção, que é como e para quê existe esse tipo de curso?
Entre 332 a.c e 335 a.c um cara chamado Aristóteles inventou de dar aulas sobre arte. As anotações foram amontoadas em uma obra, ainda existente em nosso tempo, chamada Poética. Então, tu podes me perguntar, o que há nela? Meu jovem gafanhoto-pupilo-escritor, se não me engano, pois a última vez que passei os olhos por esse livro foi há 3 anos, podemos encontrar a “receita” para a criação de uma tragédia, enquanto estilo literário. E, além disso, a clássica divisão de uma história em três tempos, apresentação, desenvolvimento e desfecho.
Voltando para os tempos atuais. Os cursos de escrita criativa sérios mantêm-se no mesmo esquema de descobrir os elementos importantes para a composição de uma história, como criação de personagem, desenvolvimento de enredo, estudo dos arcos da história, conhecimento dos clássicos da literatura e como eles produziram. Não sei onde você encontrará cursos com esse nível de seriedade, pois eu nunca fiz qualquer curso voltado a isso. Há um tempo fiquei sabendo que Alexandre de Morais estava oferecendo um curso em uma das PUC, mas as vagas acabaram em um piscar de olhos. Também tem o curso da Flávia Iriarte, que é fundadora da editora Oito e meio. Um dia desses vi a propaganda da Domestika, com o escritor Shaun Levin, oferecendo passar seus conhecimentos a troco de alguns dólares.
Frente a tanta seriedade, conhecimento, comprometimento como surgiu a falsa promessa de que um curso vai torná-lo um escritor de Best-seller? Não sei se vocês estão conseguindo compreender, — o problema não é a existência desses cursos; mas o que eles tanto prometem. Se você passa pela mesma frustração que eu, sabe que as obras e cursos que mais fazem barulho, e, provavelmente, que mais vendem, estão prometendo algo que não é tão simples assim que alcançar. Eles prometem o que a maioria deseja; isto é, DINHEIRO. Para você que é iniciante nesse mundo cão da escrita, te dou um aviso: NÃO CAIA NESSA ONDA!
O meu demônio, que é o mesmo que acompanhou Sócrates e que anunciou a morte de Deus a Nietzsche, acabou de soprar ao ouvido:
— Qual é o problema em sonhar ficar rico?
— Nenhum — respondi com calma.
Prometi apresentar para você cinco passos para a escrita criativa, se você tiver calma chegarei aos queridos cinco passos. Não sei se servirá para seu livro, que com fé em Deus, será um Best-Seller — provavelmente não servirá. Acho que é aí que mora o problema da promessa dos famigerados cursos.
Lembrei-me de uma anedota filosófica. Era uma vez um grande filósofo alemão, Schopenhauer, ele tinha uma mãe muito fuleira, que ele odiava. Certo dia, em uma de suas brigas, a mãe virou para o filho e disse:
— Você só é lembrado porque é meu filho!
Não lembro o motivo da briga. Dizem que ela traía o marido e o filho descobriu. Essa descoberta não fez diferença alguma, visto que o homem já estava morto e enterrado. Um detalhe, não muito sórdido, ela era a escritora mais famosa da época. Seus livros viviam no topo dos rankings de venda — não sei se naquela época havia ranking para isso, mas destacar isso é muito importante.
Enfim, ao ouvir isso, o velho e doido, Schopenhauer ficou puto. Com muita dificuldade controlou sua vontade de matar sua odiada mãe e respondeu:
— E um dia você será lembrada como a mãe de Schopenhauer.
Ela riu, na certa não acreditou nele. Moral da estória, ninguém lembra o nome da mulher. Enquanto isso, Schopenhauer é lido — ao menos ele é lembrado e estudado nos cursos de filosofia em todo o mundo.
O demônio voltou a falar em meu ouvido:
— Mas de que vale ser lembrado e não ter reconhecimento em vida? — ele está comendo alguma coisa. A presença desse filho-da-puta está começando a me incomodar. Mas ele, depois de rir, completou: — Preferiria ser a mãe de Schopenhauer e morrer rica em um palácio do que ser lembrado como um filósofo louco e ressentido com as mulheres.
— Vá se fuder, você está atrapalhando minha linha de raciocínio! — respondi.
Voltando ao que interessa. Quando iniciei o curso de filosofia, um sábio professor — que por sinal foi meu orientador no mestrado — me deu um conselho: “não tem como produzir filosofia sem gostar de literatura”. Depois disso expôs vários exemplos de como a literatura ficcional ajuda a desenvolver a escrita. Porém as coisas não são tão simples assim, isto é, não basta ler Dostoievski para tornar-se um grande escritor. Precisamos, ao ler, identificar as nuanças da história e da forma que o escritor desenvolveu com o que ele quer passar ao leitor. Então, como desenvolver esse “olhar crítico” direcionado à escrita? A questão não é como desenvolvê-la, mas como nos serviremos dela e aos poucos ir notando como a leitura dos “imortais” nos auxilia em nosso próprio desenvolvimento.
Meu orientador continuou disseminando seus conselhos para a turma:
— Vocês precisam ler, e gostar de ler. Então, basicamente, para desenvolver e melhorar a escrita vocês têm que ler, e ler o tempo todo; até chegar ao ponto de ficar viciado em leitura. Só dará para notar que chegou ao nível correto ao perceber as mãos tremendo porque passou um dia sem ler. Portanto, leiam no ônibus, em pé no terminal, enquanto aguardam a próxima aula, no banheiro.
Hoje, após 7 anos, incluiria mais uma informação:
— Não basta ler. Ler é importante, talvez a parte mais importante para a escrita. Mas o principal é a prática da escrita. Então, além de ler e ler e ler, você tem que escrever e reescrever e reescrever o que foi reescrito. E, depois, ler obras de qualidade garantida, para ganhar uma visão crítica do que você está escrevendo e você possa reescrever o que foi reescrito mais uma vez. Apenas dessa maneira você conseguirá desenvolver sua escrita.
Essa não é a única forma de desenvolver a “escrita criativa”. Vou destacar uma carta do Bukowski do final de 1972 (vocês podem lê-la no livro Escrever para não enlouquecer, que é uma compilação de cartas que sua única filha fez após a morte do poeta) para David Evanier — não faço a mínima ideia de quem é esse cara.
[...] nunca gostei muito de escrita, criação, quero dizer, o que os outros rapazes fizeram. me parecia um tanto tênue e pretensioso, ainda parece. continuei escrevendo não por sentir que eu era tão bom, mas por sentir que eles eram tão ruins, incluindo Shakespeare, todos aqueles. o formalismo empoado, que nem mastigar papelão. Eu não me sentia muito bem quando tinha 16, 17, 18, entrava nas bibliotecas e não havia nada para ler.
Bem, por que destaquei isso? Bukowski nos mostra que o princípio da escrita não é o desenvolvimento, propriamente dito, da escrita. Isto é, nada vale borrar as páginas com formalismos sem vida — eu discordo dele em relação a Shakespeare, mas isso não faz a mínima diferença. Ele não gostava dos clássicos, porque não curtia os formalismos. Seu lance não era esse, pois seu objetivo era captar a realidade. Ele chamava isso de manter o ritmo e, para ele, era isso o que faltava aos outros escritores.
Sendo assim, ao ser chamado para dar aula de escrita criativa, ele levava os alunos para o hipódromo, lutas de box ou para qualquer lugar onde estavam as coisas que lhe apontavam o ritmo tão necessário para a escrita. Ele é o tipo de escritor que utiliza frases simples e curtas para o desenvolvimento de sua história. Provavelmente, ele não reescrevia o que já contou, pois para tanto não necessitava reescrever.
— Você fica citando uns bostas — o demônio voltou a me incomodar. — Buk fez fama aos 55 anos. Você acha que o povo quer esperar para conseguir sucesso aos 55 anos. Puta que pariu!
Transcrevi o que ele me disse, mas não tive paciência o suficiente para respondê-lo.
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