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Como as Narrativas Moldam o Mundo



A História do Papai Noel


De um generoso bispo germânico a garoto propaganda natalino em todo o mundo, a saga do Papai Noel como símbolo e personagem nos mostra a dimensão que uma história pode tomar.


Essa transformação gradual para o que conhecemos hoje é interessante por si só. Ela evidencia como pegamos uma história, ou um fato, e a moldamos a nossos interesses narrativos. O novo produto, geralmente mais concentrado em simbologia e significados, por vezes toma o lugar do original.


A história do Papai Noel é uma das mais evidentes no caso. Mas, como logo verão, nossa cultura e imaginário popular são permeados de construções provenientes da idealização de autores e outros criadores.


Origem


São Nicolau nasceu em Patara por volta do quarto século da era comum, onde hoje se localiza a Turquia e foi Bispo em Myra. De família rica, ele se formou cristão e após a morte dos pais, utilizou suas riquezas para praticar o bem e ajudar os necessitados. Como não poderia ser diferente, muitas histórias narram seus feitos de generosidade. Até onde são verdadeiras ou não é difícil saber e pouco importa.


Uma das mais famosas conta sobre um pai de três filhas que não possuía o dinheiro para garantir o casamento delas. São Nicolau, bondoso como era, largou pela chaminé da casa uma bolsa de moedas em três ocasiões diferentes que, convenientemente, caíam dentro de uma meia estendida sobre as brasas para secar. Daí, diz-se, vem a tradição de pendurar meias e a história do bom velhinho entrar pela chaminé.


Apesar do básico estar presente, o que realmente moldou o Nicolau em Papai Noel com o conhecemos hoje foi a sociedade Nova Yorkina.


De Bispo a Elfo


Em meio a disputas com os britânicos e uma necessidade em se consolidar o sentimento de nação americana, um símbolo não inglês foi necessário para se opor às sociedade dedicadas a São Jorge. São Nicolau serviu a este propósito já em 1773 com o Sons of St. Nicholas. A escolha do generoso bispo tem origem, provavelmente, nos germânicos que possuíam forte influência New Amsterdam, New Netherland e New York.


Em 1804 a New York Historical Society o tomou como patrono. Membro da sociedade, o escritor Washington Irving em 1809 lançou Knickerbocker’s History of New York (Histórias dos Calças-Curtas de Nova York, nome que faz referência à vestimenta popular entre garotos jovens da cidade na época), texto satírico que continha histórias de um agora elfo São Nicolau brincalhão. Este serviu para trazer suas histórias para um público já urbano e industrializado, além de consolidar a imagem do Nicolau como figura local.


Na Lista dos Bonzinhos


O Natal estadunidense era um feriado conturbado na época. Protestantes lutavam pela dissociação cristã da data, as comemorações consistiam em bebedeira e baderna. Esforços eram feitos para a reformulação do feriado em algo mais comportado, voltado às famílias e crianças.


O primeiro livro litografado nos Estados Unidos, publicado em 1821, foi dedicado ao feriado e à figura do reformulado São Nicolau. The Children’s Friend (O Amigo das Crianças, de autoria não certa) bebeu fortemente do São Nicolau de Irving. O texto trazia um Sante Claus que vinha do norte em seu trenó puxado por renas voadoras para entregar presentes aos comportados e punir os bagunceiros.


Esta também foi a primeira ocasião em que as festividade de São Nicolau foram alteradas como o feriado de Natal, no dia 25. Anteriormente se davam no dia 6 de dezembro, dia da morte do santo. O plano, além de tornar o Natal mais familiar e comercial, foi promover a transição final de São Nicolau para o Sante Claus, um Papai Noel quase em sua forma final, e sua associação total à data.


De 1823, A Visit from St. Nicholas (Uma Visita de São Nicolau), partiu de onde o texto de 1821 começou. Amigável e jocoso, Sante Claus agora já trajava peles, possuía barba branca e barriga redonda, que chacoalhava quando ria calorosamente. Ao longo dos anos o bom velhinho teve diversas representações, foi utilizado em propaganda durante a Guerra Civil Americana - ocasião que contribui fortemente para sua representação moderna conhecida, nas mãos do cartunista Thomas Nast.


O Papai Noel, e o Natal em si, foi também re-abraçado pela igreja. O tremendo sucesso em se reapropriar do Natal e torná-lo um feriado típico americano fez do mascote um sucesso entre as crianças. As igrejas e escolas dominicais perceberam como a árvore, o Papai Noel e outros símbolos natalinos atraíam as crianças e passaram a integrá-los em suas comemorações.


Garrafa na Mão e Gorro Vermelho


Até então o bom velhinho era retratado em diversas cores, inclusive o famoso vermelho desde pelo menos 1838 em trabalho de Robert Walter Weir para Stories of St. Nicholas (Histórias de São Nicolau) de James Paulding. Apesar disso, ele constantemente era um elfo baixo que fumava cachimbos.


Foi na década de 1920 que o moderno Santa Claus se deu e tomou o mundo. Em sua roupa vermelha e branca foi abraçado carinhosamente por todo o território. Papai Noel se tornou o garoto propaganda ideal da Coca-Cola.


Em uma forma mais humana, a figura se consolidou globalmente como um simpático idoso que entrega presentes no dia de natal. Sempre sorrindo e, agora, com um copo de Coca-Cola na mão ele tomou o mundo. Graças ao alcance global da marca, as festividades eventualmente tomaram uma cara estadunidense em todos os lugares.


A narrativa nova yorkina sobre seu patrono hoje está presente na maioria dos lares pelo globo em forma de árvores, guirlandas, presentes e bonecos cômicos que tocam saxofone e rebolam.


Tubarões, Dinossauros e Princesas


O Papai Noel é um exemplo contundente de como uma narrativa construída para o marketing e propaganda pode tomar proporções inimagináveis e conquistar o mundo. Mas outros exemplos fortes de como as histórias mudam nossa visão existem aos montes.


Quem hoje não tem medo de tubarões? Mas quantos você já viu de verdade? A narrativa destes peixes como feras assassinas sanguinárias que nos atacarão assim que avistados não passa de construção hollywoodiana.


O filme Jaws (Tubarão), lançado em 1975, baseado no livro homônimo de Peter Benchlay, é o responsável por essa visão contemporânea de animais tão distantes da nossa realidade. Até as sociedades litorâneas raramente se encontram com estas criaturas.


Mesmo assim, nada impediu que o medo de tubarões e a sua caça disfarçada de cruzada heróica contra bestas ferozes, tenha sido incentivado e validado entre a população após o sucesso nos cinemas.


O filme e também livro de mesmo nome escrito por Michael Crichton, Jurassic Park (Jurassic Park - Parque dos Dinossauros) foi pivô na disseminação da imagem dos dinossauros. Numa época em que já se descobriram fósseis com penas, revolucionando a imagem que a ciência tinha destes animais, o filme e seu estrondoso sucesso marcou gerações com suas representações clássicas. Hoje, a forma como imaginamos sua aparência, até a forma como andam e se comunicam foi traçada, anteriormente nos filmes com dinossauros.


E como não citar os contos dos irmãos Grimm. Tenebrosos e sombrios em sua origem, tinham como objetivo o registro, modernização e disseminação de histórias da tradição oral de seu povo.


Porém, nos dias de hoje são mais conhecidos pelas suas versões mais inocentes e comerciais, adaptadas em diversas mídias pela Disney. Graças a isso, a percepção popular de um conto de fada possui um significado muito diferente.


O Futuro de Cada História


É sempre interessante, e talvez um pouco perturbador, pensar sobre como o mundo a nossa volta foi moldado repetidas vezes. Aquilo que vemos e pensamos foi narrado por alguém e deixou sua marca em nós.


Contar histórias é isso. Sempre que produzimos algo temos um objetivo. Esteja ele óbvio ou não desde o início, com nossas palavras e imagens buscamos despertar uma sensação e incitar algo no receptor.


Nem toda obra muda o mundo e redefine símbolos e significados, mas sempre existirá a responsabilidade de qual mensagem estamos transmitindo. Afinal, para mudar o mundo basta mudar uma pessoa.


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