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Como criar narrativas de cunho político?

Atualizado: 4 de ago. de 2021


Narrativas políticas na literatura englobam ficções ou realidades em contextos micro (pequenas regiões) ou macro (contextos globais). Trata-se de um tema abrangente em que todo o contexto se (des)alinha através dos personagens principais. Não há como escrever perspectivas ideológicas sem abranger história e ciências políticas e normalmente esse tipo de texto estão inseridos em utopias e distopias. Complicado? Talvez, mas existem três características comuns que, se bem trabalhadas, trarão uma experiência única para seus leitores.


@mulecolagista

Personagem


O personagem precisa representar a realidade do ambiente onde vive da cabeça aos pés. Pois é, estamos falando de trazer cautelosamente à tona as suas principais características, desde a forma de se vestir até a forma de enxergar o mundo e como isso o afeta emocionalmente.


Estamos falando de casos como 1984 e Diário de Fernando, onde os personagens estão trajados de corpo e alma no contexto social da história. No primeiro há uma ficção distópica de George Orwell e no segundo a visão narrativa de Frei Beto sobre seu período em Cárcere na Ditadura Militar Brasileira. O que elas possuem em comum? A agonia passada pelos personagens está evidenciada nas tentativas diretas e indiretas de fuga, na absoluta falta de liberdade transmitida e na constante sensação de estarem em ambiente hostil.


Para aqueles que desejam se aventurar por enredos políticos é necessário gostar muito de descrições. Para aqueles que não gostam de enredos descritivos, lamento dizer que nesse caso não se pode economizar, pois para conseguir traçar uma linha comportamental lógica do personagem com a situação sócio-político do lugar descrito é necessário alinhar os fatores de descontentamento com sua ideologia e ser minucioso no discurso. O posicionamento ideológico deve ter uma relação íntima com a narrativa política utópica ou distópica criada naquele momento, de modo a absorver a narrativa onde o discurso das forças dominantes tentam obscurecer a consciência social da população ali presente.


Por isso, a objetividade se torna sua maior aliada na hora de discorrer com a narrativa de forma descritiva, não tem como falar em 1984 sem falar na falta de liberdade, na impossibilidade de confiar no próximo, na infelicidade do personagem incapaz de compreender aquela política rígida e padronizada e principalmente no medo do “Big Brother” descobrir a sua verdadeira intenção e consciência. Enquanto no Livro “Diário de Fernando” há uma descrição sucinta do contexto político da época e de como ela veste cada uma das pessoas ali presentes de forma a entender com profundidade como o cárcere os desumanizou e como os torturadores entraram em suas mentes e os mudaram física e psicologicamente.


Contexto Histórico-político


Aqui é onde se consagra a narrativa no que você realmente deseja para ela, pois ao trabalhar com a descrição do ambiente em que o personagem se encontra automaticamente você define a história como distopia ou utopia. Creio que a revista já tenha explicado esses conceitos, mas de maneira resumida podemos dizer que a distopia é o enredo fictício de uma grave crise política ou social, sendo a utopia o enredo inverso onde os moldes estão em perfeita harmonia e pleno funcionamento.


A descrição do contexto político e ambiental é a alma da história e deve preencher o enredo de maneira rica para a firme concepção de que não há como fugir daquela realidade tóxica, a sensação de aprisionamento deve pairar durante a narrativa e a imutabilidade é sua maior parceira. A partir do momento em que se visibiliza uma abertura para fora da distopia, como em 1984, onde o personagem encontra uma forma de escapar daquela infelicidade prevalente deve haver análise de como aquilo vai ser inserido para evitar a futilidade e a ideia de que o problema sempre foi de fácil resolução.


O enredo deve se aproximar de uma perspectiva verossímil para garantir a satisfação do leitor, pois questões são levantadas no decorrer da história e as mais comuns são:


  • Como chegou a esse ponto?

  • Existia alguma possibilidade de impedir o fato? Se sim, porque não impediram?

  • Porque é necessário o personagem se comportar daquela forma?


As perguntas são simples, mas adicionadas dentro do enredo e trazendo respostas convincentes, traz o realismo característico desse gênero textual e é um grande passo para a coerência temática.


Conhecimento histórico e político



Para trabalhar com esse conteúdo é necessário a inserção completa dentro daquela realidade, pois dessa forma você garante uma trajetória convincente e intrigante. Trabalhar com um contexto político não significa apenas colocar um personagem dentro de um enredo trágico e perturbador. É preciso saber explicar os motivos que tornam o conjunto da obra um estudo histórico e político significativo.


Isso fica claramente descrito no livro “O Menino do Pijama Listrado”, narrativa clássica do nazismo sob o olhar de uma criança que não entendia as diferenças entre ele e o menino que ficava atrás da grade, conversando com ele. Não entendia o motivo de ser punido por interagir com ele e nem as restrições que ele e as demais pessoas sofriam em decorrência disso. Isso é um exemplo de aprisionamento ideológico vindo tanto dos judeus quanto dos nazistas, onde ambos buscavam fugir daquela situação de insegurança e medo constante, mas nunca encontrando, até o final fatídico.


O escritor conhecia cada sentimento trazido naquele momento histórico e os motivos que aprisionavam a maioria das pessoas e as impossibilitava de reagir devido às exigências comportamentais, onde a razão e os afetos eram absorvidos pelo contexto político da II Guerra Mundial e pela constante sensação de perigo iminente disseminada globalmente.



Ilustrado por Patrícia

Texto por Giselle Franco

Editado e revisado por Elisa Fonseca


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