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Como criar personagens literários com RPG

Atualizado: 12 de nov. de 2020

Por Adson Leonardo


Dungeons & Dragons é o primeiro e mais famoso RPG - Role Playing Game ou jogo de interpretar papéis - já lançado. Nele os jogadores se reúnem para contar histórias de forma colaborativa e emergente, sem um roteiro prévio ou qualquer obrigação narrativa.




Para contar histórias são necessários personagens. E o que são os personagens se não a parte mais importante de qualquer história? A 5ª Edição, última lançada e mais popular desde a concepção do jogo, traz um formato para a geração de personagens dos jogadores simples e elegante. Com menos de dez sentenças você tem um modelo que pode ser aplicado e moldado a praticamente qualquer cenário e narrativa que queria explorar, inclusive a literatura.


Nessa ficha precisamos dividir o personagem em três partes: Ideais, Ligações e Falhas. Depois, descrevemos em uma ou duas frases o que o define. Quanto mais aberta e genérica puder ser a frase, melhor, porque dá mais perspectivas a ele. O jogo nos traz uma série de tabelas com sugestões.


Ideais

O ideal é como o personagem enxerga o mundo, geralmente na forma de aspiração ou crença. Ele pode escolher diversas possibilidades: se provar para alguém; conquistar o que é seu de direito; deixar o mundo um lugar melhor; acumular dinheiro; proteger os mais fracos ou seguir uma crença.


Seja como for, o ideal é o que faz o personagem se mover. É algo fundamental em sua vida, que molda como ele enxerga o mundo.


Exemplo: Emoções não devem interferir em nosso pensamento lógico.



Ligações


Se o Ideal é o que faz o personagem buscar um objetivo, a Ligação fará com que mantenha o foco. É para onde se olha nos momentos de dificuldade para retomar as forças. Ou a lembrança do porque a jornada é tão importante. Uma ligação deve ser forte o suficiente para fazer tudo valer a pena. Ligações comuns são família ou clã, vingança ou um amor distante.


Quando o personagem busca algo com tanto fervor que este é motivo para ele estar na jornada, passa a ser uma ligação. Pode ser uma profecia antiga que ele deve concretizar ou a realização de um sonho de infância.


Exemplo: Tenho procurado por toda a minha vida pela resposta de uma determinada pergunta.


Falhas


É quase unânime a ideia de que os melhores personagens são aqueles com Falhas. Fraquezas, desvios de caráter ou segredos obscuros. É aqui que está a face oculta do personagem, onde ele será confrontado.


A falha é uma ideologia nociva, um segredo ou um comportamento obsessivo que traz prejuízo para si e aos outros. Escolher o dinheiro ao invés dos amigos; ir longe demais para adquirir conhecimento; ter matado alguém em sua cidade natal ou não conseguir guardar um segredo.


Exemplo: Eu falo sem pensar nas minhas palavras, inevitavelmente insultando os outros.




Desenvolvendo a Ideia

Temos um punhado de frases que definem essas três características. E agora? Aqui começa a parte mais bonita do processo. Percebam que as definições que criamos são genéricas, não contam nada sobre a história do personagem. Como eu disse no início, o papel desse método é ter um modelo, um molde básico. Então é agora que começa o trabalho.


Os detalhes deste personagem começam a surgir de forma natural quando você os confronta com o mundo e o tipo de narrativa que vai construir. A partir do molde pode-se imaginar e criar o que levou a tal características e, dessa forma, ter um personagem completo e bem desenvolvido. Podemos aplicar as frases exemplo em um mundo de fantasia medieval genérico, apenas para exercício:


IDEAL - Emoções não devem interferir em nosso pensamento lógico.

Porque o personagem acredita nisso? Quem sabe ele foi entregue a uma escola de magos quando criança. Desde então foi ensinado que não há espaço para emoção nas artes arcanas. A lógica coordena tudo e cada movimento deve ser calculado para se obter o melhor resultado. Segundo os magos a emoção leva às más escolhas.


LIGAÇÃO - Tenho procurado por toda a minha vida pela resposta de uma determinada pergunta.

O que é essa pergunta? Quem são meus pais e porque me deixaram aqui? Há espaço para emoção nas artes mágicas? O que acontece na torre mais alta do colégio nos dias de lua cheia? As possibilidades são muitas.


FALHA - Eu falo sem pensar nas minhas palavras, inevitavelmente insultando os outros.

Falar sem pensar é a própria antítese do pensamento lógico. Que vergonha agir assim no meio de tantos arquimagos experientes e que te observam a todo momento. Ou talvez falar o que se pensa seja sempre o caminho mais óbvio logicamente. Os magos ensinaram que a verdade dói, e aqueles que não estão prontos para escutarem que tapem os ouvidos.


Cada sessão desta pode ter o tempo que achar necessário. Em tempo você terá um dossiê completo do personagem. Num jogo de RPG, estas características na ficha de personagem ajudam o Dungeon Master - o narrador do jogo - a inserir aquele personagem do jogador na história e garantir que ele tenha momentos memoráveis no decorrer do jogo. Quando trazido para o espectro da escrita, essa ficha nos ajuda a definir logo cedo a persona de um personagem para o leitor (e nós mesmos) e sempre ter algo a que se agarra durante o processo de idealização e escrita.


Pode-se ainda modular em tons de cada característica para que se adequarem à sua proposta e preencherem papéis. Talvez você queria que a Falha seja o alívio cômico numa série de investigação - não conseguir guardar segredos pode ser tão engraçado como trágico; ou que a Ligação adicione drama em um mangá de ação - descobrir que seu rival tem um parente doente o torna mais humano.


Isso tudo com características geradas aleatoriamente com rolagens de dado. Acreditem ou não foi assim que fiz, utilizando o próprio livro do jogo.


E não para por aqui!


O mais elegante deste método, na minha opinião, é que ele já te confere pontos narrativos muito bem definidos. A própria estrutura é em três atos - o Ideal fará o personagem sair da zona de conforto, a Ligação garantirá a sua permanência e crescimento e sua Falha levará ao conflito e clímax excitante. Falhas dão ótimos arcos de redenção, Ligações são onde os vilões se regozijam e os Ideias deixam o protagonista em cheque naquele momento chave. E por aí vai.


Partindo de três frases simples para características estereotipadas chegamos em um personagem completo, com uma história de vida e motivações claras. Esse, para mim, é o melhor produto deste método - um modelo genérico com pontos foco óbvios e bem definidos. Assim uma história emerge de forma natural e sem muito esforço.


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