top of page

Hibiscus, de Liz Under

"Transitando entre o desenho, a linguagem simbólica, o delírio oriundo da dor, que pulsa, e da sede, de maneira intimista, busca extrair, por meio de suas terras de sonho e das criaturas que as povoam, a própria vida."

Liz Under

Técnica: sanguínea e carvão sobre papel Fabriano 200g

Os desenhos foram concebidos durante a primeira fase da pandemia de 2020. Eles fazem uma rememoração afetiva à passagem da artista pela Mata Atlântica, de dezembro de 2019 a fevereiro de 2020, passando por lugares onde acampou e conviveu com locais.


As formas naturais e invasoras, as mutilações sem identidade, sem face, representam a memória e o corpo da própria artista, criadas sob uma linguagem extremamente visceral, como uma espécie de confissão, de retrato da própria impermanência. São formas que criam uma conexão matriz entre o real e o onírico.


Conheça a artista


Liz Under é artista visual de Araraquara, São Paulo. Trabalha com mídias variadas e técnicas mistas, como litografia, fotografia, desenho e pintura. Seus trabalhos já estiveram presentes em mostras nacionais e internacionais, participando de exposições em lugares como Galeria Transarte, de São Paulo, Festival Feminista de Lisboa, Espacio Pira, de Barcelona, Galeria Cañizares, de Salvador, Kleió Collective, de Londres e XVI Território da Arte e SESC, de Araraquara.





Me conta sobre quando você começou, o que te atraiu pro mundo da arte?


Eu, como toda criança, desenhava, mas desde pequena falava que queria ser artista. Já gostava de alguns artistas e fui aprimorando isso, buscando mais artistas, mais referências.


Eu acho que arte é a própria experiência, a própria vida. Creio que, antes de ser uma artista, eu sou uma navegante. Então, o que me atraiu para a arte foi a própria vida.


E, como foi seu início?


Eu comecei lá pelos meus 18 anos, eu vendia retratos e quadros. Logo depois, fiz a minha primeira mostra, uma mostra coletiva que aconteceu na minha cidade natal.


Com 21 anos eu mudei pra Salvador e lá estudei Litografia, no museu de arte moderna da Bahia. Isso foi muito importante, porque pude entender melhor o meu trabalho, entender melhor o que eu queria falar e do que eu fazia.


Conta um pouco sobre a sua experiência em Salvador.



Lá em Salvador eu conheci muitos artistas, fui descobrindo outros artistas, trabalhos, ateliês. Isso foi muito importante para o desenvolvimento do meu trabalho e para mim como ser humano mesmo. Conheci o Alma Andrade, Juarez Paraíso, o trabalho de Juarez e os artistas dos anos 70. Conhecer o processo, conhecer os interiores é a melhor forma de se reconhecer e de conhecer os exteriores. Por isso que foi importante. Eu conheci o processo de outros para poder me reconhecer ali dentro.


E, nesse meio tempo, em Salvador, eu participei, também, de um coletivo de rua, de lambe lambe. Comecei antes mas foi ali que eu comecei o meu amadurecimento, das minhas ideias e como ser humano. Eu tinha de 21 para 22 anos. Eu produzi uma série de litogravuras que foi para a Bienal Internacional Livio Abramo (Araraquara-SP), cujas obras selecionadas são, agora, parte do acervo da Pinacoteca Mário Yabarra de Almeida.


Quais as principais técnicas que você trabalha?


Eu trabalho em especial com desenho e pintura, com gravura, litogravura no caso. Estou experimentando a xilogravura com linólio. Tenho trabalhado bastante com fotografia na quarentena. Técnica em spray, que faz parte da minha técnica mista, né? Que é acrílico, tinta a óleo e outras tintas mais alternativas como tinta de esmalte, tinta de parede, tinta PVA, técnicas em sanguínea e em carvão. E, eu tenho trabalhado com bordado e técnicas têxteis.


O que você procura na arte?


Eu busco através da técnica fazer um retorno às origens, mas também, trazer a minha visão. Minha tia avó é pintora, minha avó foi pintora e fazia bordado, minha tia é artista plástica. Então, eu sempre busco um resgate.


Quais são os elementos que você mais trabalha em suas obras? Existe uma mensagem, uma discussão, uma provocação ali proposta para ser pensada?


Uma das características marcantes da minha obra é o desmembramento ou a mutilação, que é uma característica que está muito presente em minha obra em 2017/2018. Eu já costumava trabalhar com esses elementos agressivos, né? Que colocam ou uma agressão a um outro ou uma auto agressão. Depois, eu tento trabalhar isso através da minha própria experiência. Eu trato a figura, a arte, como se fosse um diário, como se fosse um relato da minha experiência, independentemente se ela é boa ou ruim. Ela tem essa característica.


Fora o desmembramento Eu tenho trabalhado também com raízes, formas simplificadas, quebra de perspectiva, esse não apego à forma, à técnica, é uma característica muito presente no meu trabalho. Funciona como um enfrentamento à norma imposta a mim como ser humano e como mulher. Surge como o relato de uma parte da minha história. Como uma forma de me auto conhecer e de me auto explicar. É quase como uma psicografia. Algumas coisas também têm partes e relatos históricos. Algumas cenas de notícias. Eu tenho um trabalho de litografia que se chama carne faz carne, baseada em Vilma Trujillo, uma mulher. Vilma Trujillo, foi queimada viva na Nicarágua, por apresentar traços de esquizofrenia. Ao mesmo tempo, surge como um relato, porque tenho alguém próximo com uma questão mental muito delicada, a do eletrochoque. A pessoa em questão foi internada e sofreu com essas práticas.


Eu tento desconstruir essas figuras históricas. Desde pequena, eu só desenho mulheres, e tomo como meu o direito de trabalhar eu mesma dentro da obra. Uma das obras mais famosas é a Vênus sem Botticelli, Vênus que vem de um falo decepado e jogado ao mar. Dentro dessa obra, ela carrega uma estaca com diversos pênis pendurados e uma fogueira embaixo. Isso também foi um relato pessoal. Na época, eu frequentei um espaço onde sofri muito assédio, com machismo. A forma de catarse foi fazer essa obra.


Tem muito esse elemento da mutilação como vingança, mas também como purificação. Desmembrar para transformar, para ressignificar, para enraizar. O fogo entra muitas vezes como elemento de purificação. Trabalho com formas simples e não faço questão nenhuma de trabalhar com formas mais sofisticadas. A minha ideia é reduzir.


Conta um pouco sobre esse regate às suas raízes, por favor?


Eu costumo dizer que é preciso destruir para ressignificar. As origens podem aparentar um terreno muito árido ou muito fértil. Ou os dois ao mesmo tempo, depende do nosso estado. A história dentro da minha família, teve uma parte retirada, decepada mesmo. Eu não conheci o meu avô paterno. Tem outra parte que eu tive mais contato, que é do meu avô materno e minha avó materna. Os irmãos deles também. É uma família muito grande e eles têm essa coisa que é muito presente na cultura caipira. Minha avó era costureira, mas também era professora de pintura, bordado e desenho. Meu avô era marceneiro e fez o meu primeiro violão, os meus primeiros brinquedos, feitos de madeira. Minha avó ensinou minha tia e minha mãe a costurar. Foi passando de geração para geração. Minha tia é professora de pintura, foi minha avó que ensinou também, se não me engano ela foi formada. Ela frequentou o Liceu de Araraquara, que não existe mais. No meu caso, aprendi na raça mesmo. Aprendi vivenciando a pintura e o desenho.


Araraquara é minha cidade natal. Eu decidi retomar essa parte e construir algo em cima disso. E reconstruir. Eu falo destruir porque você sempre vai colocar um olhar e esse é o olhar de agora. Talvez o seu passado possa te dar o seu recurso, mas a sua visão vai da sua vivência. A preferência, a valorização do trabalho manual. Já cheguei a fazer o chassi da minha tela. Eu fabrico as minhas telas. Enfim, eu produzo várias coisas e sempre tento fazer uma produção artesanal.


Para finalizar, Liz, fala um pouquinho sobre os seus projetos futuros.


Estou trabalhando em algumas pinturas. Quero desenvolver mais essa minha parte, porque foi uma parte que deixei de lado por um tempo e pretendo continuar com essas experiências de bordado, enfim


Entrevista por Filipo Brazilliano

Edição e Revisão por Elisa Fonseca


118 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo
bottom of page