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Nanowrimer ou o Sísifo moderno, por Thiago Ambrósio Lage



Nano o quê?


Eu já venci o NaNoWrimo. Três vezes. Carteirada dada, acrescento que este não é um artigo de dicas para vencê-lo, mas uma reflexão sobre o desafio em si: quando fazê-lo, não fazê-lo, abandoná-lo ou ir na rebeldia. Mas o que diabos é esse tal de Nano?


NaNoWriMo é a sigla para National Writing Novel Month (mês nacional de escrita de romance), um evento-desafio criado por um grupo de amigos nos EUA, em 1999, que queriam escrever livros mas nunca saíam desse querer. O desafio é bem simples e consiste em escrever um romance completo de 50 mil palavras durante o mês de novembro. Simples nas regras, mas complicado na execução, demanda disponibilidade e estratégia. Não há competição, é um desafio apenas contra si mesmo.


Com os anos, essa brincadeira foi crescendo e hoje movimenta uma comunidade global de centenas de milhares de escritores que se cadastram no site oficial (nanowrimo.org) para participar de fóruns, pegar dicas e apoio, além de registrar e validar sua participação no desafio. Essa comunidade hoje tem uma cultura própria, cheia de piadas e memes internos, por isso fazer parte dela fica ainda mais gostoso. No site, cada participante cadastra seu projeto e entra com a contagem das palavras que escreveu a cada dia. Ao completar o desafio, o participante cola o texto do romance em uma caixa em que as palavras são contadas e ele é declarado vencedor! Ninguém lê o texto escrito, isso é feito apenas para validação.


A filosofia básica por trás disso é colocar as ideias no papel ou arquivo e desenvolver o hábito da escrita. Durante o mês, o ideal é não se preocupar com o resultado, já que o objetivo é escrever um livro de 50 mil palavras, não necessariamente um livro bom. Um livro será trabalhado, reescrito, editado e revisado em um momento oportuno e posterior. A meta final de 50 mil palavras pode parecer algo impossível, mas sempre pensamos em metas diárias de 1.667 palavras ou 5 mil palavras a cada três dias.


Eu só comecei no mundo da escrita de ficção em 2015, e no NaNoWriMo. Participei e venci nos anos de 2015, 2016 e 2017 e tenho estes três romances escritos aqui, em primeiro rascunho ainda, com títulos criativos e provisórios de nano15, nano16 e nano17. Pretendo trabalhar com um deles ano que vem para deixar no ponto de enviar a editoras ou autopublicar. Além da escrita, o NaNoWriMo também me apresentou a uma comunidade pujante de escritores na qual fiz bons e grandes amigos.


Mas agora vamos falar sobre você.


Quando participar do Nano?


Em novembro, claro. Quando quiser, quando sentir vontade e disposição. Como todo desafio, demanda tempo e esforço. É um ritmo de escrita intenso e que pode ensinar muito sobre a sua própria postura, a forma como encara a escrita, e como se organiza. Se produz melhor dentro de um planejamento ou se só senta na cadeira e vai. Esse autoconhecimento vem muito da troca com outros participantes também, que é particularmente intensa.


Há chats, fóruns, site oficial, discord, twitter, grupos de whatsapp e telegram… Dizem que as pessoas são mais solidárias na dor compartilhada e um desafio extenuante é uma cola social e tanto. O fato de o desafio não ser competitivo faz com que a comunidade seja ainda mais coesa, quando torcer para o outro é quase tão gratificante quanto atingir as próprias metas. E é aqui que entra Sísifo.


Sísifo era um cara que tinha o castigo de todos os dias empurrar uma pedra pesada para o alto de uma montanha, apenas para que a pedra rolasse de volta à posição inicial para ser empurrada novamente no dia seguinte. O NaNoWriMo, com sua meta diária de escrita de 1.667 palavras, faz de nós uma multidão de Sísifos, mas com uma diferença: se hoje a pedra não é empurrada para o alto da montanha, amanhã serão duas pedras, 3.334 palavras. A cada virada de dia, a meta aumenta independente do que tenha escrito e mais uma pedra surge.


A contagem de palavras vira uma obsessão, assim como saber se está acima ou abaixo da meta diária ou da acumulada. E assim, algumas pessoas descobrem a capacidade incrível de escrever cinco, seis, oito, doze mil palavras num dia de folga. Nada como o poder dos prazos!


Quando não participar?


Quando não quiser. Simples desse jeito.


Pense no Nano como uma corrida de rua, uma maratona. Nem todos conseguem correr uma maratona e alguns não devem nem tentar, seja por falta de tempo, estrutura ou condicionamento, e está tudo bem. Isso é apenas um desafio pessoal e não mede seu valor em nada. Caso deseje muito participar e não tenha condições, tente se planejar com antecedência para o próximo ano. Há uma infinidade de dicas online para lidar com o estresse do Nano e reservar tempo para se dedicar, e sempre há alguém que já participou disposto a compartilhar dicas e estratégias. Fique à vontade para me procurar.


O Nano pode ter um custo psicológico alto, também. É apertado, nos obriga a lidar na marra com problemas recorrentes na escrita como ansiedade e perfeccionismo. Pense bem se sua saúde mental comporta isto. Por mais força e suporte emocional que a comunidade dê, viver 30 dias empurrando essas pedras morro acima com a única certeza que meia-noite aparece mais uma é extremamente ansiogênico.


Mesmo se não estiver em um momento ideal para topar a empreitada (e que momento é ideal?) e quiser arriscar, vá consciente que desistir a qualquer momento é válido e não deve ser fonte de angústia.


Quando largar?


Quando quiser. Aqui também não há segredo.


Só promete para mim que não se sentirá mal com isso.


A vida pode nos pregar peças no mês de novembro. O desenvolvimento da história pode te travar. A ansiedade pode bater. A brincadeira pode enjoar. Para cada desistência há uma justificativa válida. E digo mais: não é necessário justificar.


É um desafio pessoal, cada um sabe de si.


Se alguém te perguntar o motivo e achar que precisa responder, diga apenas que “surgiram outros compromissos”. É um bom eufemismo para dizer “não vou falar sobre isso”.


E a rebeldia?


Explicar a rebeldia é complicado, já que a existência dela é algo que foge das regras. E a comunidade do Nano abraça esta possibilidade a ponto de descrevê-la no site oficial.

Da mesma forma que em uma maratona podem ocorrer eventos paralelos no mesmo percurso de corridas e caminhadas mais curtas, como maneira de mais pessoas participarem, você pode adaptar o Nano às suas necessidades.


Neste caso, as regras do desafio clássico deixam de valer e você cria sua própria meta. Pense na maratona: para uns, correr uma maratona pode ser impossível hoje, mas uma corrida de 10 km pode ser um desafio interessante. Para outros, uma caminhada de 5 km pode ser a melhor maneira de se superar e comemorar uma conquista. E digo mais, você pode se converter em rebelde a qualquer momento!


Coloque como objetivo 20 mil ao invés de 50 mil palavras, ou mil palavras por dia. Abandone o número de palavras como métrica e busque outras formas de medir seu sucesso. Da mesma forma que uma caminhada pode ser medida em km, pelo tempo ou número de voltas na praça, a escrita tem várias unidades de medida. Escreva meia hora por dia. Um conto por semana. Uma poesia a cada três dias. Um haiku por dia. O importante é se superar e se sentir bem.


E o que ganhamos com isso?


Algo que pouco discutimos é o que vem depois do NaNoWriMo.


Independente da forma como faça o desafio, e de ir até o fim, ou não, no fim você terá algumas palavras escritas a mais que no começo do mês. Pode ser um romance, contos, poesias, microcontos, começos, cenas, descrições, não interessa. São suas. É texto bruto, mas autoral e novo.


Não se publica ideias, por mais interessantes que sejam. Também não se edita ideias. Antes que sejam editadas para serem publicadas, as ideias precisam se cristalizar em textos. E o Nano é sobre isso.


Depois do desafio, resta a Sísifo o papel de lapidar as rochas que empurrou morro acima. Mas isso é papo para dezembro...



Artigo por Thiago Ambrósio
Revisão e edição por Elisa Fonseca
Edição de imagens por Filipo Brazilliano
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