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Peregrinas de Calmaria e Tormenta, de Laís Napoli


"Ela prometeu a si mesma que eles pagariam por tudo aquilo. Gaile era vidro fervente. E vidro fervente não quebra; se molda"


Uma obra densa de alta fantasia, assim é "Peregrinas de Calmaria e Tormenta", estreia da autora e jornalista Laís Napoli. O livro possui 385 páginas e, apesar da extensão, pode ser lido de forma rápida pela fluidez e momentos de tensão que prendem a nossa atenção. Publicado no dia dez de agosto de 2021, o livro é o primeiro da saga "Crônicas Seculares".


Duas protagonistas, dois antagonistas e vários personagens secundários de extrema importância marcam esta leitura. A construção dos personagens acontece de forma orgânica, você vê os detalhes dos arcos sendo apresentados à medida que a leitura se expande. Essa mesma estratégia foi utilizada para apresentar a construção de mundo e o sistema de magia. Não é que não há descrições e introduções em Peregrinas, longe disso, mas à medida que a narrativa corre, elas são apresentadas, no momento certo. É quase como se o leitor pedisse por mais explicação e ela chegasse ali, de pronto, na hora exata de ser apresentada. Esse é um ponto alto da escrita de Laís, que também se destaca por transitar entre um estilo mais objetivo para cenas e imagens poéticas, o que funciona como um baque, já que de uma cena reflexiva pulamos para uma brutal e depois para uma outra imagem bonita.


O título, "Peregrinas de Calmaria e Tormenta", compreende bem o caráter das protagonistas. Jout quando bem jovem presenciou a sua vila sendo massacrada e foi adotada como escrava. A personalidade de Jout se pauta em torno de sentimentos confusos, porque ela se viu amparada em relação às outras escravas, ao mesmo tempo em que ela demonstra uma resiliência e calmaria fora do comum, ao lidar com as diversas violências vividas por ela e outras mulheres. Já Gaile é explosiva. Vinda de uma nação livre, em uma situação economicamente favorável e exercendo a arte como profissão, Gaile vê a sua vida desmoronar, porém não se submete aos caprichos de seus captores.


No primeiro ato nos deparamos com todo esse background das protagonistas, em meio ao presente catastrófico em que se encontram. No segundo e terceiro atos acompanhamos a jornada das protagonistas em busca de um refúgio seguro. Junto com elas, várias personagens femininas, e um personagem masculino, muitas vezes roubam a cena, mostrando que apesar de secundárias, as outras mulheres têm um papel importante para a trama. Aliás, protagonismo feminino não falta, as personagens são muito diferentes entre si, mostrando o cuidado que a autora teve em suas construções.


O livro tem uma história fechada, apesar de manter arestas abertas. Como a magia da natureza que se mostra aos poucos e, de repente, te arrebata, provocando questionamentos.

E é importante ressaltar que essa obra possui muitos gatilhos, machismo estrutural, violências várias, choque de culturas (não que esse seja um grande problema, porque a forma com que os pontos de vista se contrastam aprofunda a trama), enfim, uma série de situações complexas representadas em um mundo fantástico. Mas sinceramente? Acredito que é importante tocar o dedo nas feridas em ficções.


Recomendo o livro para leitores de alta fantasia, mas já aviso: se preparem para serem atropelados por sentimentos extremos, tanto ruins como bons. E olha, tenho certeza que ao ler o primeiro terão a vontade de saber os próximos rumos de Tallautumn. Boa leitura!



Conheça a autora


Laís Napoli é autora de fantasia, formada em Jornalismo e possui pós-graduação em Comunicação Digital. Em 2021, lançou seu primeiro romance de fantasia épica, o volume inicial da saga As Crônicas Seculares: Peregrinas de Calmaria e Tormenta. Nascida em 1994, no Rio de Janeiro, hoje mora com seu marido e filho de quatro patas, Aslam.


Como você veio parar neste mundo literário?

Eu sempre gostei de ler. Meus pais são leitores e me incentivam a isso. A primeira história que escrevi foi sobre um pinguim que se perdia e encontrava a namorada dele. Na adolescência escrevi o meu primeiro livro, apesar de não ser um bom livro. Na pandemia eu voltei a ler, escrever e fiz o meu perfil para interagir no Instagram.


Quais assuntos você costuma discutir nas histórias que escreve?

Eu acho que gosto de tratar mais o tema da escravidão, eu gosto de escrever histórias que tragam algum aprendizado.


Vamos falar do seu romance. qual é a premissa de Peregrinas de Calmaria e Tormenta?

A premissa é, basicamente, a jornada de duas mulheres vivendo em um mundo opressor, uma dentro de um sistema bem cruel e a outra num sistema um pouco menos cruel, porém, ainda sim com machismos, colocadas em situações difíceis e se veem tomando decisões difíceis para alcançar liberdade, e mesmo assim se mantendo fieis a quem elas são.


Alguns temas pesados são abordados ao longo do livro: opressão, machismo, xenofobia. De todos eles, o que mais se destaca para mim é a questão da mulher. Qual a mensagem que você gostaria de trazer para o público a partir dessas escolhas?

A História surgiu em 2013, com a crise dos refugiados sírios. Muita gente não entendia o fenômeno dos refugiados, da guerra, então foi algo que me marcou e eu sempre gostei de relações internacionais. Tive a ideia de retratar de alguma maneira como os refugiados se sentiam. Logo fui amadurecendo a ideia. Pretendo abordar mais sobre isso nos próximos livros.


Quando abordo o machismo/abuso é aquela mensagem de que sempre culpam a vitima, no final tem até questionamentos do personagem a culpando. Eu quis trazer temas modernos e temas que gosto de debater, ainda mais na fantasia onde podemos fazer as pessoas refletirem em cima disso, por exemplo, relacionamento abusivo e a percepção de que não é fácil sair dele. Gosto de trazer debates humanos para permear a história.


Conte sobre suas influências e referencias que permeiam suas narrativas.

Em "Trono de vidro", a forma como é retratada à parte social me incentivou bastante pela temática, pelo protagonismo feminino, também me vem um pouco de Game of Thrones, no retrato da violência, Carlos Ruiz Zafón me inspirou na parte estética. Um estranho sonhador, de Laini Taylor, me ajudou nas revisões, a escrita dela é bem poética, parece um sonho, a minha não chega a ser tanto, mas tem lirismo. Tolkien me ajudou mais pela jornada. Enraizados, de Naomi Novik, por ter algo a ver com os elementos da natureza e Jogos Vorazes, da Suzanne Collins me inspirou a mostrar isso.


Como funciona seu processo criativo, Laís?

Eu gosto de planejar bem o que vai acontecer, saber o caminho que vamos trilhar, gosto de conhecer bem o personagem, ter um senso de conhecimento geral, mas se mudar um pouquinho, tudo bem. Eu começo por definir um tema e a mensagem que quero abordar.


Tenho alguns documentos importantes que me ajudam. O meu mapa foi bem importante para saber sobre distâncias. Outro fato histórico que me inspirou bem em Peregrinas foi as Cruzadas.


Eu vou conectando pontos do meu repertório para criar meu mundo. Isso envolve de tudo: situações cotidianas, viagens, arquitetura que já vi, fatos da nossa história, insights a partir de outras artes, como os animes, etc. E conforme essa conexão vai sendo feita, eu vou pesquisando mais e mais, para ir deixando mais rico. Comprei um livro sobre religião, por exemplo.


Outra coisa: tudo pode ser usado, eu fico muito ligada. Exemplo: meu marido gosta de ver aleatoriedades no Youtube e uma vez ele passou por uma construção futurista, que será a base para uma das minhas cidades, uma coisa bem diferente.


Pode comentar um pouco de como as religiões foram trabalhadas em sua obra?

Tenho algumas religiões que se encontram e se impactam dentro da história. Comecei a estudar o Livro das religiões que tenho em casa e comecei a ter varias ideias para construir religiões diferentes. Fui pensando detalhes de cultura, pensei na parte do enredo também, muitas coisas não foram sequenciais como falo. A primeira versão eu notei que queria refinar um pouco mais, então refinei a parte linguística, criando a parte de dialética, e a parte do ensino no mundo. Inseri gestos relacionados à cultura e à religião. Eu gosto de construir de acordo com a necessidade. Toda a magia do meu mundo está vinculada às religiões.


Peregrinas da Calmaria e da Tormenta têm muitas personagens marcantes e demasiado humanas. Qual a personagem que mais te marcou enquanto escrevia o livro?

Quando escrevi a primeira versão gostei muito das protagonistas. Tanto uma como a outra tem características bem marcantes, mas tentei deixá-las mais fortes. Me identifico com as duas, mas acabei criando um vínculo maior com Gayle.


Com a evolução das protagonistas, fui construindo melhor os outros personagens, como os irmãos, Bumas e Bacos. O Bumas, eu gosto realmente dele, ele tem um conflito interior forte. Já Bacos, é o personagem que todo mundo detesta.


E quanto aos planos futuros, Laís, pode nos dar uma palhinha?

Tenho o plano de cinco livros, alguns contos para sair em coletâneas. E para o perfil, continuar publicando o que publico, um Guia de construção de mundo em algum momento.



Edição, resenha e revisão por Elisa Fonseca
Edição de imagens e entrevista por Filipo Brazilliano
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