“Se uma mulher tem poder, porque é que é preciso disfarçar que tem poder? Mas a triste verdade é que o nosso mundo está cheio de homens e mulheres que não gostam de mulheres poderosas.”
Esse não é um conto de fadas
No mundo de Uzur, todo o peso de uma guerra acabou caindo nos ombros de uma única garota, que não era uma heroína formidável ou alguém naturalmente forte. Ela era apenas uma princesa, a primogênita de um rei gentil e rigoroso. Entretanto, ele foi capaz de vendê-la para trazer a paz de volta ao seu reino.
Essa é a premissa inicial do conto “A primogênita”, escrito por Giulia Pereira. A história não se trata apenas de reinos em guerra com um fundo fantástico, discorre também sobre opressão e libertação, não de um povo nas mãos de outro, mas de corações forçados a se diminuírem para caber no mundo em que vivem.
Nair é uma princesa de Ajax, a terra de sol e fogo, que cresceu mais próspera do que todos os outros reinos. No começo, esse país é apresentado como uma nação bastante sofrida com a inveja de outros reinos aliados. Mas no decorrer do texto até o país Ajax acaba revelando as sombras que sua potente luz esconde. Um país onde a força é demonstrada apenas pelos homens e qualquer sinal vindo de uma mulher é contido e apagado como o sopro de uma vela.
Uma realidade, até hoje, bem visível para qualquer um que se permita observar o mundo por cinco minutos. Não importa quantas vezes esse contexto tenha sido inserido na literatura, ainda permanece sendo uma dura realidade.
A frase inicial citada nessa resenha foi dita por Chimamanda Ngozi Adichie, uma escritora Nigeriana que cresceu em um dos continentes que mais sofreu pela ganância e inveja dos grandes países, principalmente aqueles com mania de grandeza. Vendo através dessas referências, conseguimos perceber como Giulia trouxe, com maestria, um mundo triste, fantástico e real.
Tudo isso sob os olhos de uma garota que se sacrificou pelo bem do seu povo. Nair foi ensinada, por sua vida inteira, a não demonstrar sinal de força, mesmo assim, sabia seu dever: se afogar lentamente como um prêmio conquistado através da guerra. Papel esse, compartilhado por outras mulheres.
Acompanhando a história, chegamos a um final que surpreende e traz à tona o sentimento simples e puro, mas que consegue mudar o mundo onde quer que ele prevaleça, a rebeldia. Seja contra uma ordem opressiva ou uma realidade que precisa ser mudada. Esse sentimento precisa explodir dentro de cada um de nós quando ocorre uma situação absurda, mas apenas deixamos passar.
Esse enredo é contado em poucos minutos, com uma narrativa tão fluida que vai te aprisionar e submergir no mundo de Uzur.
Conheça Giu Pereira
Giu Pereira é uma autora nascida em São Paulo, porém viajante do mundo. Professora de Inglês, formada em letras, publicou a saga elementos, com os livros "A primogênita", "A sacerdotisa" e "A desertora".
Vamos brincar de Marília Gabriela, quem é Giu Pereira?
Acho que a podemos começar pelo meu nome. Se você pegar minha identidade, vai está lá: Giulia Pereira Santos. Adotei o nome Giu Pereira para assinar as minhas obras, porque quase ninguém me chama por esse apelido e eu sempre gostei muito dele. Tenho 21 anos, nasci em São Paulo, mas só fiz nascer mesmo. Meu pai era jogador de futebol, então a gente vivia viajando. Dos meus 6 meses até os 6 anos, eu passei por Rio de Janeiro, Japão, Paraguai, Porto Alegre até chegar em São Cristóvão - SE. Finquei raízes aqui, então pra todos os efeitos eu sou sergipana e nordestina com muito orgulho. Atualmente eu sou professora de Inglês, mainha queria que eu tivesse estudado Direito, mas no fim das contas Letras me ganhou (é notável, né?). Pra felicidade da criança que eu fui, agora, eu posso dizer que sou escritora também.
Queremos saber onde tudo começou. Quando surgiu esse interesse pela literatura?
Nossa! Começou muito cedo, minha mãe costumava inventar histórias e me contar antes de dormir. Era uma coisa bem simples, mas ela sempre foi muito criativa e aquilo aflorou minha imaginação! Eu sempre estava em contato com um livro ou outro, mas foi só com 10 anos que eu me apaixonei de vez (mais uma vez, por conta da minha mãe). Ela descobriu (pasmem) a saga Crepúsculo, começou a ler e ficou encantada. De tanto ela falar, eu acabei me interessando também. Uma coisa levou a outra, até que eu fiquei conhecida na escola por ser a biblioteca ambulante. Eu não só lia bastante, como vivia emprestando meus livros, tinha até um caderninho. Tem gente que me julga até hoje quando digo isso, (Doida! Os livros não voltavam amassados, não?) mas a sensação de ter com quem conversar sobre literatura era maravilhosa.
E a escrita Giu? Quando foram seus primeiros escritos?
Eu comecei a escrever na mesma época que mergulhei na leitura. Eu tinha em torno de 10 ou 11 anos quando decidi digitar minhas ideias no netbook recém comprado dos meus pais. Nunca cheguei a terminar aquela trilogia e já dei muita risada relendo os rascunhos, mas preciso admitir que pra uma criança já era muito bom. Inclusive, é válido lembrar que a história que eu escrevo no Wattpad (Coração Pirata) é um dos projetos da minha infância que eu acabei retomando e, claro, elaborando com mais calma. Depois dessa fase, veio o tempo das fanfictions do One Direction. Nesse tempo, saí da fantasia e migrei para o romance, mas eu já não sabia escrever clichê. Quem é fã de Vingadores e Percy Jackson não consegue escrever nada muito longe da ação. Essa época foi muito boa, principalmente, porque eu consegui publicar e mostrar pra outras pessoas histórias que eram só minhas e passavam a maior parte do tempo guardadas no meu drive. Amadureci muito e se não fosse pela GiuBlue do Fanfiction Spirit, eu não seria a Giu Pereira agora.
Quais autores e obras colaboraram com a construção do seu estilo narrativo?
Eu preciso admitir que tive uma influência muito grande dos autores que eu li na infância como: Rick Riordan, Collen Houck e C. S. Lewis. As fantasias e as aventuras que eles criaram me marcaram muito e até hoje me pego relembrando de algumas de suas cenas, pra gerar as minhas. Atualmente, eu busco beber de fontes nacionais, acho que o nosso contexto brasileiro tem muito a dizer e nós temos autores fantásticos! Impossível não se maravilhar com o que os nossos escritores independentes têm feito por aí.
Nos destaques você conta que a inspiração para escrever A Primogênita veio de uma composição musical. Além de contista você também é envolvida com música?
Sim, é verdade! Na mesma época que eu comecei a escrever, comecei a ter aulas de violão. Até hoje não sou muito boa tocando, mas assim que aprendi as primeiras notas, me empolguei pra compor uma música. A canção falava sobre uma princesa que foi presa em um palácio e decidiu queimar a cela pra fugir. Quando mostrei para o meu professor, ele questionou em que eu tinha me inspirado e eu não soube responder, porque não era algo que eu tinha visto na rua, sabe? Era algo que eu tinha imaginado. Acho que eu sempre fui essa pessoa que colocava histórias onde quer que fosse possível. Eu compus outras músicas depois, mas elas tem um cunho religioso e atualmente eu dei uma pausa nessa parte da minha vida, porque minhas demandas já são outras (as conhecidas responsabilidades adultas). Sobre a minha relação com a música: de forma geral, ela continua sendo muito profunda. Eu preciso colocar meu fone de ouvido pelo menos uma vez ao dia pra conseguir me conectar comigo mesma.
Como uma arte influencia a outra na sua carreira?
É como se a música abrisse uma porta pra outra realidade e é de lá que saem as histórias que eu escrevo. Não posso nem dizer que sou eu que as crio, elas simplesmente surgem enquanto ouço música, sussurrando pra eu fazer com que elas existam do outro lado da porta. Sempre foi assim e acho que vai continuar sendo até, sei lá, elas desistirem de vim pra cá.
E, como foi o processo de escrita de seu livro? O que motivou você a escrevê-lo?
Eu escrevi “A Primogênita” pra submeter em uma revista, inclusive, acho que foi uma das únicas histórias curtas que eu consegui desenvolver. Eu sou prolixa, é uma coisa que já tentei mudar e não consigo! A maioria dos meus enredos tem começo, meio e fim. A Primogênita precisou começar do meio e acabar no seu clímax, porque eu sabia que iria fazer render mais pano pra manga e a revista tinha limite de palavras. Então, o processo foi muito sofrido, eu fiz com um prazo de entrega sofrido e virei algumas noites tentando terminar e deixar o melhor possível. No fim, acabei nem passando no processo, mas eu fiquei tão feliz por ter passado na primeira etapa que eu precisei mostrar a Nair pro mundo.
A sequência já estava em seus planos? Ou sentiu necessidade depois de publicar o primeiro livro?
Então, ela não ia acontecer na forma que está pra ser lançada. Os contos não iam se passar em Uzur, teriam outras realidades (algumas até aqui no Brasil), mas a medida que eu fui recebendo os feedbacks dos leitores, foi que notei como todo mundo estava ansioso pra saber mais sobre a Aliança, a guerra, Ajax e etc. Só aí que eu percebi que um universo inteiro seria desperdiçado e Uzur merecia mais.
Admito que é a primeira vez que eu não “certezas” ao escrever uma Saga. Os enredos que chegam até mim sempre vem com todo um caminho trilhado. Dessa vez, eu só sei onde chegar, mas não como. Tem sido uma experiência diferente e incrível.
Poderemos conhecer o novo livro quando? Estamos ansiosos!
“A Sacerdotisa” começa com a pré-venda dia 19/11/2020 e estou super ansiosa e apreensiva, porque sinto que o ritmo é mais lento que “A Primogênita” e mais detalhado também. Espero que o pessoal goste desse modelo de enredo.
Que lições, aprendizagens e transformações você teve ou está tendo com a saga?
A saga Elementos me fez olhar com mais cuidado pra mim e pra garotas como eu. Eu sempre tive a intenção de escrever fantasia, aventura e ficção científica com protagonistas femininas, porque por muito tempo eu consumi esses conteúdos como se fosse algo só “pra meninos”. Mas aí, eu percebi que o meu buraco é mais embaixo. Se é raro ver protagonistas femininas, muito mais raro é encontrar mulheres negras, fortes e com corpos fora do padrão nesse nicho. Eu falo de cabelo, pele, feições e etc. Eu já era consciente desses fatos, mas demorou pra cair a ficha de que eu mesma não estava produzindo nada para reverter essa situação. Pra minha vergonha, 80% das minhas personagens eram brancas e com corpo padrão, essa era a visão de mulher empoderada que eu tinha recebido e era a perspectiva que eu estava reproduzindo. Eu mesma não me enxergava fisicamente nos personagens que eu escrevia. Então, escrever a Saga Elementos foi como um resgate, hoje eu vejo essas obras, como um projeto que pela primeira vez me espelha em várias nuances e espelha muitas outras garotas que merecem ser vistas.
Qual a mensagem, a discussão que você deseja gerar com as suas obras?
Acho que toda obra reflete seu autor, a gente não tem como fugir disso. Existe muito de mim naquilo que eu escrevo, coisas que eu não teria coragem de falar em voz alta, mas acabo gritando com as palavras escrita. Eu acredito que o nosso mundo tem vários problemas com gênero, classe e etnia que precisam urgentemente ser resolvidos, então escancarei isso nesses contos (ou pelo menos tentei). É claro que nas entrelinhas eu acabo por falar de amor, sacrifício, poder e corrupção, mas no geral a Saga é uma denúncia a coisas que o nosso mundo ainda não se dignificou a melhorar.
Como foi a construção da sua base de leitores? Pode nos dizer também em quais redes você mais atua?
Eu nem me acostumei com isso ainda. Agora, eu tenho leitores. Ai que sonho! Sou uma autora iniciante, então se tem mais de 10 pessoas me lendo, já me sinto no céu!
Minha história com comunidade de leitores começou lá nos primórdios da minha pré-adolescência, quando eu não tinha coragem pra mostrar o que eu escrevia pra ninguém. Surgiram as fanfics, como eu já mencionei, e eu me conectei com muitas pessoas por conta delas. Infelizmente, com 14 anos, eu precisei estudar nos dois turnos e acabei perdendo esse elo com meus leitores. Passei anos sem atualizar e cheguei a pensar em desistir de ser escritora.
Foi só no fim da graduação em Letras que eu decidi voltar a postar no Wattpad, mas eu teria que começar do 0, então eu tomei umas decisões mais desafiadora. Compartilhar Coração Pirata com meus amigos e conhecidos. Pode parecer besteira, mas quem é tímido vai me entender, demorei alguns meses pra tomar coragem e divulgar no instagram. Depois, eu entrei nos grupos de troca de leitura no Wattpad, conheci muita gente e tomei coragem pra publicar na Amazon também.
Com o conto em circulação, adentrei o bookstragram e o booktwitter, aí foi só uma questão de perder a vergonha e pedir divulgação. Cometi algumas gafes? Com certeza! Do tipo de acabar entrando em contato com escritores e pedir pra eles divulgarem, sendo que eles não fazem esse tipo de trabalho, né? Foi cada vergonha, amados, que vocês não tem noção! Mas deu certo! Conheci muita gente assim e “A Primogênita” foi entrando nos espaços aos pouquinhos.
Atualmente, eu tento fazer resenhas no Instagram e compartilho algumas experiências de escrita. Foi a forma que eu encontrei de continuar interagindo com meus leitores. Passei a ser mais ativa no Twitter também, mas lá é mais pessoal e desorganizado. Normalmente, lá eu surto e os leitores mangam da minha cara.
Pode nos deixar um conselho?
O melhor conselho que eu posso dar pra quem tá iniciando é: não pare de escrever. Nunca! Mesmo quando estiver ruim. A gente aprende muito persistindo nos nossos
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