Não sei... — iniciar um texto dessa forma me parece o mesmo que tirar o retrato do amadorismo, ou de uma retórica muito fraca; poderia apagar e reescrever, mas manterei! —Acho que — (novamente mais um travessão, espero que você que está lendo não se canse!) penso que esse achar sempre me coloca em situações difíceis; crio problemas, mas nunca encontro soluções — é muito difícil encontrar uma definição para um projeto naturalmente brasileiro de literatura. Provavelmente devido à alcunha que a própria literatura recebe em um país que dá tão pouco valor a ela — parece que muitos creem que ela é naturalmente contra a moralidade tradicional, — isso em um projeto literário não tem tanto peso.
Só tive consciência disso ontem ao ser apresentado a uma das obras finalistas do Prêmio
Literário Oceanos. É um livro de uma autora brasileira, Márcia Barbieri, com o título A casa das aranhas: trilogia do corpo. Ter contato com tamanha obra me fez lembrar o quanto a literatura brasileira se destaca pela falta de pudor e pela mais bela utilização dos nossos dons estéticos para a transformação do real no que comumente chamamos de literatura. Para vocês terem noção, irei destacar um trecho:
"Difícil responder, nunca cheguei a uma conclusão sobre a importância da carne no revestimento da alma, o certo é que quando olho pelas frestas dos cômodos é o seu corpo que vejo, seus peitos, sua bunda deliciosa, sua buceta supostamente encharcada só esperando por um pau ...".
Para leitores mais retraídos, poderemos deparar com selos de culpa e nojo frente à liberdade — libertinagem — literária. Não podemos entender essa característica como uma simples forma de ir de encontro à moralidade, mas sim como a própria essência da literatura no Brasil. Para reforçar essa ideia, posso apelar para Jorge Amado — Gabriela, cravo e canela. Quem nunca quando criança ficou abalado pela inocência da bela Gabriela subindo no telhado para pegar a pipa. Seu vestido leve e curto subindo, os homens observando e esperando uma oportunidade de vislumbrar as belas carnes daquela deusa da sedução, uma Vênus — uma Afrodite — a mais brasileira das deusas que os romanos e gregos puderam imaginar.
Isso só pode acontecer em um país que tem grande apreço por algo que é necessariamente pertencente à nossa essência — se é que existe de fato alguma essência rondando por aí. Quando ouço, escrevo ou leio essa palavra fico imaginando que ela deveria carregar consigo um leve odor, fresco e sedutor. — Na verdade pensei nisso apenas agora (risos, nessa parte você pode me imaginar rindo; parece que a cada dia que passa a loucura vem em minha direção. Ela, a loucura, vem como uma histeria que ataca pessoas solitárias que tem que escrever uma dissertação, mas passa metade do dia lendo outras coisas. Sim, estas outras coisas são menos importantes, entretanto carregam consigo outro tipo de prazer que Heidegger no momento não está conseguindo me dar; fazer o quê ...)
Essa característica da nossa escrita só é possível porque somos brasileiros. Não apenas isso, escrevemos, falamos e vivemos dentro do uso da língua portuguesa; e, além disso, vivemos nos trópicos, um lugar propício aos prazeres carnais. Novamente, podemos perceber que a carne virou verbo e o prazer é nosso maior passa tempo. Repito: isso só é possível por sermos, necessariamente, brasileiros. — Muitos parecem terem esquecido essa grande informação, se você for uma delas, escreve na parede de teu quarto para ficar mais fácil de ler assim que acordar; o objetivo disso é fixar essa mensagem e finalmente o verbo entrar em sua carne. Enfim, mesmo entre aqueles que esqueceram esse conhecimento, não há como não agir de modo peculiar, agir como um brasileiro. E o seu grande local de encontro é a literatura: Manoel Bandeira, Márcia Barbieri, Reinaldo de Moraes, Ariano Suassuna, Hilda Hilst, Caio Fernando de Abreu, Machado de Assis, Aluísio Azevedo e tantos outros que podem participar dessa lista...
Nós sempre soubemos o que somos, e devido a essa libertinagem, cada um consegue ser o que é. Uma coisa não pode ser negada, a literatura brasileira é o maior traço de nossa mais importante característica, a liberdade.
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